Direitos das Crianças e Adolescentes no Brasil: Avanços e Desafios
- Casa do Caminho Irmãos Samaritanos

- 3 de mar.
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Atualizado: 17 de mar.
Em 13 de julho de 1990, o Brasil dava um passo histórico na proteção infantil com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Essa lei, pioneira na América Latina, substituiu o antigo Código de Menores e consagrou o princípio da proteção integral, reconhecendo meninos e meninas como sujeitos de direitos. Inspirado na Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, o ECA envolveu intensa mobilização social – mais de um milhão de assinaturas pressionaram o Congresso por sua aprovação. “Trata-se de um dos mais avançados conjuntos normativos do mundo, que vê crianças e adolescentes como cidadãos em desenvolvimento, com direito à voz e proteção integral”, explica a jurista Mônica Marzagão, especializada em direito infantojuvenil. Desde então, o ECA tem norteado políticas públicas, responsabilizando família, sociedade e Estado (como prevê a Constituição, art. 227) pela garantia de direitos da infância.
Avanços desde a criação do ECA
Três décadas após sua promulgação, é inegável o progresso impulsionado pelo ECA. Houve forte expansão do acesso à educação: em 1990, quase 20% das crianças de 7 a 14 anos estavam fora da escola; em 2018 esse índice caiu para 4,2%. Também houve queda acentuada na mortalidade infantil, salvando cerca de 827 mil vidas de crianças desde 1990. No mesmo período, o país resgatou cerca de 6 milhões de crianças do trabalho infantil, graças a políticas públicas como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). “O ECA trouxe conquistas importantes, como a redução da mortalidade infantil em ritmo mais acelerado que a média mundial, o aumento dos registros de nascimento e a diminuição do trabalho infantil”, avalia Florence Bauer, representante do UNICEF no Brasil.
Instrumentos criados pelo ECA, como os Conselhos Tutelares em cada município, tornaram-se pilares na proteção local, atendendo crianças em situação de risco. Novas leis complementaram essa rede de proteção: em 2014, a Lei Menino Bernardo proibiu castigos físicos e tratamento degradante na educação de filhos; em 2017, a Lei da Escuta Protegida estabeleceu protocolos humanizados para ouvir crianças vítimas de violência. Programas como o Bolsa Família e o Criança Feliz também foram implementados para assegurar renda, alimentação e estímulo adequado na primeira infância, refletindo o espírito do ECA de prioridade absoluta à criança.
Desafios persistentes na proteção infantil
Apesar dos avanços, graves desafios permanecem e se complexificaram nos últimos anos. A violência contra crianças e adolescentes segue alarmante: mais de 15 mil jovens de até 19 anos foram assassinados no Brasil entre 2021 e 2023, uma média superior a 5 mil mortes por ano. Essa letalidade atinge principalmente adolescentes negros e do sexo masculino, muitas vezes em contextos de vulnerabilidade urbana. “Precisamos avançar na prevenção de todas as formas de violência,” defende Maurício Cunha, secretário nacional dos Direitos da Criança, citando os altos índices de homicídios juvenis e crimes de abuso e exploração sexual, inclusive via internet. O trabalho infantil também persiste: em 2023, cerca de 1,6 milhão de crianças e adolescentes (5 a 17 anos) encontravam-se em situação de trabalho infantil no país. Embora seja o menor número já registrado – fruto de fiscalização e programas sociais – ainda significa que quase 5% das crianças brasileiras trabalham, muitas em condições perigosas ou informais. A evasão e exclusão escolar é outro problema crônico: aproximadamente 1,7 milhão de brasileiros de 6 a 17 anos estavam fora da escola em 2022, principalmente entre os 15 e 17 anos. Fatores como pobreza, necessidade de trabalhar cedo e gravidez na adolescência contribuem para a evasão, mas, como pontua Priscila Cruz, do movimento Todos Pela Educação, “o mais grave é o jovem perceber que não está aprendendo e achar que a escola não serve para nada na vida dele”.
Na área de saúde, o país luta para manter conquistas e evitar retrocessos: a desnutrição infantil convive paradoxalmente com a obesidade, e coberturas vacinais caíram nos últimos anos, abrindo brechas para a volta de doenças erradicadas. Durante a pandemia de Covid-19, verificou-se queda nas taxas de vacinação de rotina e interrupção de serviços essenciais, afetando especialmente crianças pobres. Especialistas alertam que é preciso um esforço emergencial para recuperar a vacinação infantil e ampliar o acesso a atendimento básico, sobretudo em regiões remotas.
Vozes de especialistas e casos emblemáticos
A trajetória de três décadas do ECA evidencia uma constante tensão entre avanços legais e desafios sociais. Ana Carolina Fonseca, oficial de Proteção do UNICEF, classifica como “estarrecedor” o fato de o Brasil ter perdido 15 mil vidas jovens em apenas três anos, ressaltando que a violência extrema mina o direito mais básico – o de viver. Por outro lado, casos emblemáticos levaram a melhorias legislativas: o brutal assassinato do menino Bernardo Boldrini, em 2014, chocou o país e acelerou a aprovação da lei que proíbe castigos físicos, buscando coibir a violência doméstica contra crianças. “Temos leis modernas, mas precisamos tirá-las do papel”, afirma Irene Rizzini, pesquisadora de políticas de infância, lembrando que o ECA só se efetiva com investimento contínuo em sua aplicação. Organizações não governamentais também desempenham papel-chave. A ONG Childhood Brasil, por exemplo, desenvolveu materiais e treinamentos para implementar a Lei da Escuta Protegida nos municípios, humanizando o atendimento a crianças vítimas de abuso sexual. Iniciativas comunitárias florescem país afora: projetos como o Meninos de Luz, no Rio de Janeiro, e a Fundação Cafu, em São Paulo, oferecem educação, cultura e esportes em comunidades carentes, afastando crianças da violência e abrindo novas perspectivas. Em zonas rurais do Nordeste, programas de busca ativa escolar têm conseguido reintegrar crianças às salas de aula, demonstrando o impacto de políticas intersetoriais.
O consenso entre especialistas é que os direitos das crianças e adolescentes avançaram muito em 33 anos, mas exigem vigilância constante. “Os desafios já existiam e agora se tornaram mais importantes. No Brasil, assim como em outras partes do mundo, a pobreza afeta mais as crianças do que o restante da população”, enfatiza Florence Bauer, do UNICEF. Para ela, a crise econômica recente e a pandemia acentuaram desigualdades, demandando do poder público a reafirmação do compromisso com o ECA. Isso significa orçamento prioritário para a infância, fortalecimento de conselhos tutelares, capacitação de profissionais e envolvimento de toda a sociedade. Afinal, como preconiza o ECA, é dever de todos nós – Estado, famílias e comunidade – garantir, com absoluta prioridade, os direitos da criança e do adolescente. Os próximos anos serão decisivos para traduzir a legislação exemplar em proteção real, fazendo do Brasil um país verdadeiramente amigo da criança.








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