A Importância das Organizações Sociais e Sua Contribuição para o PIB
- Casa do Caminho Irmãos Samaritanos

- 15 de jan.
- 5 min de leitura
Atualizado: 17 de mar.
O chamado Terceiro Setor – formado por organizações sociais sem fins lucrativos, como ONGs, associações e fundações – não atua somente na promoção do bem-estar e da cidadania. Ele também é um motor econômico significativo no Brasil. Um estudo inédito, lançado em 2023 pela parceria entre organizações e a FIPE, revelou que as atividades do terceiro setor representam 4,27% do PIB brasileiro, o que atualizado equivaleria a cerca de R$ 423 bilhões (dados de 2022). Para efeito de comparação, essa fatia supera a contribuição de indústrias importantes, situando-se levemente abaixo da agricultura (4,57% do PIB) e bem acima da produção de veículos (1,73%). mapaosc.ipea.gov.br
Além do impacto no PIB, as organizações da sociedade civil geram milhões de empregos: aproximadamente 5,9 milhões de ocupações, ou 6% dos empregos do país. Essa força de trabalho inclui profissionais de diversas áreas – educadores, profissionais de saúde, assistentes sociais, gestores – muitas vezes engajados em iniciativas em que o Estado é ausente ou insuficiente.
Atualmente, o Brasil conta com um número impressionante de organizações ativas: são cerca de 820 mil OSCs (Organizações da Sociedade Civil) registradas, atuando em campos que vão da educação e saúde ao meio ambiente e cultura. Esse exército de entidades movimenta recursos, contrata fornecedores e mobiliza voluntários – uma dinâmica econômica que muitas vezes passa despercebida pelo grande público.
ONGs impulsionando desenvolvimento local e inovação social
No campo da educação básica, o Instituto Chapada de Educação e Pesquisa, na Bahia, mobiliza prefeituras, professores e famílias para melhorar a qualidade do ensino público. Essa ONG foi crucial para elevar os índices de alfabetização em dezenas de municípios da Chapada Diamantina, servindo de modelo replicado em outras regiões. Iniciativas de tecnologia social também florescem: a organização ASID Brasil, nascida de um trabalho de faculdade em Curitiba, desenvolveu uma metodologia de gestão para instituições que atendem pessoas com deficiência, ajudando a profissionalizar a administração de escolas especiais e ampliar seu alcance. Já na área ambiental, projetos comunitários como o Saúde e Alegria, na Amazônia, unem sustentabilidade e geração de renda ao levar saneamento, energia solar e capacitação a populações ribeirinhas. Esses exemplos ilustram como as OSCs atuam como laboratórios de inovação social, testando modelos que depois podem inspirar políticas públicas. Em muitas localidades, a presença de uma ONG ativa se traduz em desenvolvimento local: empregos diretos, formação de lideranças comunitárias e circulação de recursos no comércio da região.
Obstáculos: financiamento e burocracia desafiam o Terceiro Setor
Se o terceiro setor desempenha um papel tão estratégico, por que suas organizações enfrentam tantas dificuldades para se manter? Um dos principais entraves é o financiamento. A maioria das OSCs depende de doações, convênios públicos ou editais esporádicos, o que dificulta o planejamento de longo prazo. Em períodos de crise econômica, as doações de empresas e indivíduos tendem a diminuir, estrangulando o orçamento de projetos sociais justamente quando a demanda por seus serviços cresce. Além disso, grande parte das doações no Brasil ainda é pontual – muitas vezes motivada por tragédias ou campanhas de fim de ano – e não recorrente, o que gera instabilidade. “Conseguir manter as contas equilibradas todo mês é um desafio enorme. A gente vive de projetos e nunca sabe se terá recurso para o próximo ano”, relata Maria do Carmo Silva, diretora de uma ONG de reforço escolar em Recife. Outra barreira frequentemente citada é a burocracia. Para celebrar parcerias com governos ou receber incentivos, as organizações precisam navegar um emaranhado de regras, prestações de contas e exigências documentais. Em 2014, foi instituído o Marco Regulatório das OSCs (Lei 13.019/2014) para simplificar e dar transparência às parcerias entre poder público e entidades. Contudo, a implementação dessa lei tem sido desigual. Fernando Zamban, coordenador da Cáritas Brasileira, observa que falta capacitação: “A lei é uma conquista, mas recaiu sobre as organizações a tarefa de implementá-la, quando essa responsabilidade deveria ser do poder público”. Muitas prefeituras e órgãos ainda desconhecem os procedimentos do marco legal, resultando em atrasos na firmação de convênios e exigências excessivas de documentação. Some-se a isso a necessidade de atender a diferentes legislações municipais e estaduais – o que deveria ser regras uniformes acaba variando conforme a localidade, aumentando os custos administrativos das OSCs. Há ainda desafios fiscais: embora as entidades sem fins lucrativos de interesse público tenham imunidade de alguns impostos, a tributação brasileira não facilita doações. Por exemplo, doações filantrópicas estão sujeitas ao ITCMD (imposto sobre doações e heranças) em muitos estados, e incentivos fiscais para doadores individuais são limitados. Ao contrário de países como os EUA, onde doações a ONGs podem ser abatidas do imposto de renda, no Brasil apenas algumas categorias específicas (como doações via fundos de direitos da criança ou leis de incentivo culturais) oferecem abatimento. Essa estrutura acaba desestimulando grandes doações por pessoas físicas e reduz a base de financiamento privado do setor, conforme apontam analistas.
Depoimentos de lideranças e caminhos para fortalecer as OSCs
Mesmo diante dos obstáculos, lideranças do terceiro setor seguem defendendo a importância estratégica dessas organizações. “As ONGs chegam aonde o Estado não consegue chegar, inovando em soluções e garantindo direitos básicos”, resume Marcos Kisil, fundador do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS). Ele destaca que muitas políticas públicas exitosas nasceram como projetos pilotos de OSCs, depois ampliados pelo governo – como programas de saúde comunitária inspirados na experiência da Pastoral da Criança, ou iniciativas de mediação de conflitos em escolas formuladas por ONGs de educação. Joelma Borges, presidente de uma rede de organizações afro-brasileiras, enfatiza o papel democrático: “As organizações da sociedade civil dão voz às comunidades e grupos vulneráveis, monitoram políticas e cobram governos. Fortalecer as OSCs é fortalecer a participação cidadã e a democracia”. Lideranças também apontam que transparência e profissionalização são cruciais para ganhar apoio público. Muitas OSCs vêm aprimorando suas práticas de governança, publicando balanços financeiros auditados e adotando padrões de compliance equivalentes aos do setor privado. Iniciativas como certificações de boas práticas e prêmios de gestão incentivam essa melhoria contínua. Por parte do poder público, há sinais de avanço: o governo federal e alguns estados discutem ampliar os incentivos fiscais para doações e simplificar o processo de parcerias. Especialistas sugerem medidas como permitir que pessoas físicas deduzam doações do imposto de renda (até um teto), algo que poderia alavancar significativamente a filantropia. Débora Arôxa, diretora no Ministério do Planejamento, defende uma capacitação massiva dos gestores públicos para aplicarem corretamente o Marco Regulatório, evitando a “insegurança jurídica” que hoje afugenta convênios.
O reconhecimento do terceiro setor como ator de desenvolvimento reflete-se também no PIB: a conta satélite do IBGE para fundações e associações sem fins lucrativos facilitou enxergar sua contribuição econômica. “Quando dizemos que o setor sem fins lucrativos gera quase 5% do PIB, os formadores de opinião e empresas começam a nos olhar de outra forma, com mais respeito e interesse”, nota João Paulo Vergueiro, da Associação Brasileira de Captadores de Recursos. Essa mudança de percepção pode atrair novos investidores sociais – indivíduos de alta renda e empresas dispostos a financiar causas – se houver um ambiente favorável. Em suma, para liberar todo o potencial das organizações sociais, é preciso menos burocracia e mais financiamento estável. Seja por meio de políticas públicas (editais permanentes, fundos patrimoniais estimulados por contrapartidas) ou por uma cultura de doação mais robusta, investir no terceiro setor traz retorno não só social, mas também econômico. Afinal, cada real investido em um projeto socioambiental circula na economia local, previne gastos futuros (com saúde, violência, desemprego) e gera valor compartilhado. Como definiu um estudo recente, “ONGs são parceiras na construção do desenvolvimento do país, atuando de forma complementar e inovadora” – uma riqueza muitas vezes invisível nas estatísticas, mas palpável na vida de milhões de brasileiros beneficiados por seus projetos.







Comentários